sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Dia D



A manhã está chuvosa e fria na Normandia.
Meus companheiros estão em silêncio aguardando nervosos a chegada à costa. Estão passando um café ralo em meio às filas dentro do barco, as canecas surgindo em meio à fumaça de alguns cigarros que digladiam com a baixa temperatura.

Escutamos ao longe um aviso quase inaudível mas que todos sabem o que é: chegamos ao nosso destino. Ajeito minha Garand e quase enfio a baioneta no colega da frente. Deve ser o nervosismo, afinal, todos estamos com o coração saindo pela boca por causa da batalha que está por vir.
A água irrompe pelas comportas e alerta as duas filas apinhadas de garotos (garotos meus deus) que em sua maioria, não voltará para casa. A vista começa a acostumar com a luminosidade da manhã que nascera e então meus batimentos aumentam enquanto tateio em pleno ar, com água acima dos joelhos, e sigo as vozes de comando dos pelotões à terra firme. Chegamos.



Quando em solo firme, corremos em direção à barricadas de madeira dispostas aleatoriamente na praia, pois na neblina avistávamos os Panzer alemães com estranhos símbolos. "Estamos combatendo os nazistas errados?", disse o franzino novato que mal havia saído do ventre materno, limpando os grossos e embaçados óculos de aro negro, que lhe dava um ar ainda mais frágil, como um vaso à beira de uma mesa.

Projéteis começavam a surgir e zunir à nossa volta e as ruidosas máquinas germânicas pareciam gritar em uma língua obscura palavras de ordem para matar nossas almas, vi muitos em pânico caindo, porém, vi muito mais avançando. Estávamos os surpreendendo.




Junto à ofensiva, avisto os Sherman surgindo da água para auxiliar as tropas em terra, os Messerschidtt caíam como moscas. Arame e corpos de aliados misturados pela praia começavam a se transformar em nazistas e terra conforme avançávamos aos enormes paredões franceses.

Em um lampejo, uma enorme explosão vindoura de um bunker enche o local com fumaça e detritos, temporariamente nos cegando. Os alemães estão reagindo perigosamente, e olho a minha volta vários cadáveres estirados preguiçosamente enquanto a fumaça baixa. Estou só ali.

Avisto a abertura no bunker por onde uma provável bomba vinda de um avião entrara e sigo o mesmo destino, só que sem sua destrutiva índole. Ainda há energia correndo por suas moribundas veias, alimentando as já vacilantes lâmpadas nas paredes. Uma mesa com mapas e munição espalhada, caixas de madeira e uma garrafa de vinho pela metade observam inanimadamente o assustado soldado que ainda não havia largado seu rifle - sua provável única maneira de escapar do inferno que se achava.




Os sons de tiros, baterias antiaéreas e o roncar dos aviões ressoavam com propriedade nas grossas paredes de concreto do bunker nazista. Uma abertura feita à golpes de picareta chamara minha atenção e lá fui investigar. Um túnel escavado pela parede da estrutura - estranho lugar pra se fazê-lo -, porém muni-me de acovardada coragem e segui o túnel e suas piscantes e esparsas luzes até uma caverna enorme, onde a trilha sonora do combate praticamente não era escutada, apenas os estrondos mais fortes de explosões - "Espero que sejamos nós a provocá-las", pensei em um sussurro - e na parede oposta algo me chama a atenção de soslaio: uma enorme tocha e uma inscrição borrada por lama.

Naquele lado da caverna não havia ruído algum, parecia que fui transportado para outro lugar, distante da batalha. Mesmo com a iluminação da grande tocha não pude identificar o que havia escrito, então pus-me a virar meu cantil na sinuosa parede e lavei a lama que parecia ter sido aplicada por alguém em desespero. Algo revela-se e minha mente não consegue suportar a primeiro choque.

Uma inimaginável sensação de horror toma meu ser, porém logo percebo que aquilo poderia ser a vantagem aliada - talvez suficiente o bastante para vencermos a guerra.
Corri o caminho de volta ignorando quaisquer perigos que ficavam às minhas costas, arfava com a palavra "venceremos" muda em minha boca e ansioso para contar o que havia encontrado para alguém no comando. a volta para um dos barcos se tornara uma missão talvez mais difícil do que a própria guerra inteira - ao menos para mim naquela hora - e finalmente chego a uma das embarcações onde o comando tático estava. Sou levado por um soldado que me escorava em seu ombro até uma sala pequena, com uma enorme mesa, inúmeros mapas e alfinetes mil espetados, e charutos. Havia apenas um comandante lá - algo que achei estranho - mas que ouvira o que tinha a dizer com um entusiasmo assombroso.





O bunker e sua revelada entrada encontrava-se em um impecável breu em sua segunda sala, mesma tendo a primária invadida pela luz do sol - aquém do dia nubladíssimo - que parecia nos guiar até lá. Adentramos os recônditos do túnel que agora jazia morto e suspirava a cada relance das lanternas dos três soldados em suas paredes que pareciam fechar quanto mais avançávamos.
A adrenalina havia passado e sentia um frio avassalador na caverna. Frio e úmido demais. A chama da tocha cambaleava, apenas nos aguardando para partir. Os soldados avistaram a inscrição e sorriam animados e se entreolhando, o comandante tira seu  quepe e limpa algumas lágrimas que lhe turvavam a visão e recoloca cobertura com os olhos brilhando de esperança.

- Sim soldados! Hoje é o dia que poremos um fim nesses nazistas imundos! Venceremos hoje!

Acompanho de olhos muito abertos - como um cão prestes a receber uma recompensa - e lembro que assim que entrei pela segunda vez no bunker avistara uma câmera fotográfica. Me esgueirei no obscuro túnel de volta e repeti a manobra com a câmera em mãos. Pedi que iluminassem a parede da inscrição o melhor possível, porém as lanternas já estavam com apenas lascivas chamas, e que precisaríamos voltar logo para a luza antes que se apagassem, mas o momento havia de ser registrado para a posteridade - e para toda a humanidade - com o intuito de provar que aquela inscrição realmente fez mudar o mundo.



 
Já dei a dica de leve, sabem o que fazer. Por todo lugar e sem vergonha  de mostrar que fazemos parte de algo maior, e que lutamos por isso.

Feliz Y-Day atrasado! Que foi dia 28 de janeiro...

E sua origem.






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